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Ausência dos cinemas de calçada diminui diversidade de filmes em cartaz em Pelotas

Custos elevados para manter salas e dificuldade de atração de público para obras com menor poder de divulgação privilegiam apresentação dos blockbusters

Jô Folha - DP' - Cine Capitólio encerrou as atividades em 2008 e prédio virou estacionamento

Perfect Days (Dias Perfeitos), filme de Wim Wenders, quebra a expectativa de cenas rápidas, fortes, impactantes e repletas de ação, tendência de uma sociedade cada vez mais vidrada nas telas dos smartphones e nos vídeos de 30 segundos das redes sociais. Ao contrário, o filme apresenta a lenta rotina de um limpador de banheiros públicos de Tóquio, e aborda conflitos geracionais e existenciais.

Em uma sala de cinema na Rua da Consolação, em São Paulo, um jovem adulto abandona a sessão após a primeira hora de exibição, provavelmente enfastiado pelo filme que “não acontece nada”, como se pode dizer daqueles em que a ação é deixada em último plano. Apesar de ter concorrido ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e à Palma de Ouro de Cannes em 2023, Perfect Days não chegou aos cinemas pelotenses.

A pouca diversidade de filmes em cartaz na cidade reflete o momento vivido pelos cinemas no Brasil, hoje em grande maioria dentro dos shopping centers, que optam pelos blockbusters, filmes de grande sucesso comercial.

Em Pelotas, desde 2008 não existem mais os cinemas de calçada, com o encerramento das atividades do Capitólio, que completava 80 anos de fundação naquele ano. O prédio, de dois andares e que chegou a abrigar sala com capacidade para mais de mil espectadores, virou um estacionamento.

Esta tem sido a tendência em todo o Brasil, de acordo com o jornalista e escritor Klécio Santos, autor do livro Sete de Abril, o teatro do Imperador e O Reino das Sombras: palcos, salões e o cinema em Pelotas (1896-1970), publicado no Almanaque de Pelotas, volume 2.

“Os blockbusters e a ausência de filmes independentes são consequência do fim dos cinemas de calçada nas cidades. O último a fechar as portas em Pelotas foi o Cine Capitólio. A maioria [dos cinemas de calçada] hoje, e isso ocorre em todo Brasil, se transformou em templos religiosos ou estacionamentos”, diz Klécio.

Pelotas chegou a ter, simultaneamente, mais de 30 cinemas em funcionamento, espalhados por todos os bairros, aponta a professora e pesquisadora em Cinema da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Cintia Langie, que lançou em 2008 o documentário Estacionamento, que fala sobre os cinemas de calçada no município.

Durante décadas, o cinema foi a principal fonte de entretenimento nas cidades, mas uma série de novos marcos sociais foram, pouco a pouco, afastando o público, como a popularização do carro, a criação da TV e a violência urbana, por exemplo. “As pessoas iam namorar na fila do cinema, era uma atividade cultural muito procurada, de uma vida urbana que permitia esse tipo de coisa”, afirma Cintia.

Atualmente, a pesquisadora destaca que existem três padrões de salas no Município: a multinacional Cineflix, da lógica dos cinemas de Shopping, o Cineart, um modelo intermediário e independente do capital internacional, e o Cine UFPel, que aposta em mostras gratuitas, mas com horário reduzido de funcionamento.

“Acho que a gente vive uma pobreza de programação neste modelo multinacional. São salas concentradas em um tipo de filme, majoritariamente que vem de Hollywood com grande campanha de marketing. Esse tipo de filme, além de ter muito visão de mercado e às vezes empobrecido em termos de arte, as histórias são muito requentadas”, avalia Cintia.

Este modelo se pauta em um público acostumado à linguagem mais “fácil e previsível”. “Viramos uma sociedade ansiosa, sempre com mil coisas na cabeça. No cinema, acontecem essas cenas: em um filme de montagem menos acelerada, o pessoal se cansa e sai; outra é as pessoas mexendo no celular”, afirma a pesquisadora. “Existe uma previsibilidade do que as pessoas esperam ver e uma frustração deste espectador mais acostumado a uma narrativa clássica e a um mundo mais acelerado”, completa.

A opção de filmes de maior valor artístico, menos comerciais e com menor investimento de divulgação acaba não atraindo o público, gerando dificuldades aos cinemas que arcam com alto custos de aluguel e manutenção das salas.

“A sala de cinema não está se aproximando do fim, isso está demonstrado. Na pandemia, muitas salas pararam as atividades e se tinha o medo do que aconteceria após. Pós-pandemia, muitas salas ainda estão abrindo e elas continuam pagando as suas contas. A sala de cinema oferece a experiência única, todo mundo lembra o filme que viu no cinema, com ambiente preparado e outras pessoas”, ressalta Cintia.

A falta de políticas públicas, pontua a pesquisadora, reflete no consumo de produções nacionais, que enfrentam grandes dificuldades na divulgação. Assim, são pouco exibidas nas salas de cinema. “O cinema brasileiro produz, mais ou menos, 200 longas-metragens e esses filmes não chegam em Pelotas”, relata.

Políticas públicas e oferta de cultura mudam o país. O México e a Argentina têm ótimas políticas públicas para produção e exibição, de manter os filmes do próprio país circulando nas salas. Tem uma produção muito bacana no Brasil, que ganha prêmio no exterior, o que eu acho triste é que os brasileiros não conseguem acessar, porque tem esse problema de distribuição”, conclui.


História do cinema em Pelotas

A primeira projeção de cinema em Pelotas, detalha Klécio Santos, foi em 1896, no salão da Bibliotheca Pública Pelotense, por Francisco De Paola. Na esquina da Floriano com a 15 de Novembro, em 1909, inaugurou-se o Éden Salão, dos irmãos Petrelli, e na sequência surgiram outras salas: Parisiense, Coliseu, Polytheama, Popular e Ponto Chic. Em 1912, Francisco Santos fundou a Guarany Films. Santos é responsável por uma série de documentários e “causou furor nas telas seguindo uma tendência de reconstituir crimes reais, como o longa-metragem O Crime dos Banhados”, relata Klécio. Associado a Francisco Xavier, juntos eles abriram os cinemas Apolo (1925), Avenida (1927) e o luxuoso Capitólio (1928). Alvorada de Amor, de Ernest Lubitsch, foi o primeiro filme sonoro exibido na cidade, enquanto nas décadas de 1930 e 1940 os cinemas de calçada arrastavam multidões por toda Pelotas.

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