Situação

Queda de temperaturas aumenta a vulnerabilidade da população de rua

Desde a pandemia, o número de pessoas sem moradia aumentou 102% em Pelotas; atualmente, há 80 pessoas efetivamente habitando as ruas; considerando os que oscilam na situação, o número sobe para 400

Volmer Perez - DP - Ignorados pela maioria da população, situação se tornou cada vez mais corriqueira em Pelotas

Estão deitados em pedaços de papelão, plástico e colchão com seus fieis parceiros: os cachorros ao lado. Não é difícil se deparar com várias pessoas em situação de rua em vias movimentadas do Centro de Pelotas. Alguns já se encontram enrolados em cobertores embaixo de marquises ao final do dia, sinal de que se aproxima a pior época do ano para essa parte da população. Com a chegada do frio intenso, cerca de 80 pessoas vivendo ao relento no Município enfrentam desafios para se manterem vivos durante a estação, sem ter um teto. Mesmo com locais de acolhimento, os problemas do contexto social impedem o acesso à pernoite.

O dado citado acima revela apenas a quantidade de pessoas que efetivamente vivem na rua. Se considerar também aqueles que vão e voltam da situação, o número estimado sobe para 400, sendo mais de 80% composto por homens. Contexto que faz parte do aumento considerável da população em vulnerabilidade social a partir da pandemia. De acordo com a Secretaria de Assistência Social (SAS), no primeiro semestre de 2020 havia 172 pessoas cadastradas em atendimento mensal no Centro Pop, um dos locais de acolhimento. Em comparação, no mesmo período deste ano, são 350 atendidos. Um aumento de 102% em quatro anos.

Na Casa de Passagem, antes da pandemia, a média de atendimentos era de 20 usuários por noite. Durante a pandemia, a Prefeitura chegou a atender 130 pessoas. Hoje, o número médio de usuários chega a 65. No inverno, nos dias de frio mais rigoroso, sobe para até 80 pessoas.

Uma breve observação nas ruas da cidade pode confirmar: são muitas as pessoas que só têm uma marquise e um cobertor para se proteger. Parte delas se concentra regularmente ao lado de um supermercado localizado na rua Lobo da Costa, próximo ao Mercado Central. Quem costuma ficar por ali é a Beatriz Leal. Deitada na calçada, ela é quase invisível para quem passa.

Conversando com a reportagem, ela conta que tem 26 anos e vive nas ruas desde os dez. Nessa situação, a mulher relata as inúmeras dificuldades, que se tornam ainda piores com a chegada do inverno. “São muitas [adversidades] porque os próprios moradores de rua roubam a gente, roubam coberta, comida, tudo”. Diante disso, ela diz que tem que apelar para a população em geral. “Eu bato nas casas, peço, não tenho vergonha”. Conseguir algum auxílio, no entanto, nem sempre é fácil. “Às vezes eu não consigo um pão para comer”, lamenta. A posição próxima à entrada do supermercado é estratégica, no intuito de obter alguma doação de alimento de algum cliente caridoso.

Beatriz enfatiza, ainda, que mesmo nos dias mais frios ela escolhe permanecer nas ruas, ao invés de ir para os locais de acolhimento do Município. Isso porque para as mulheres, mesmo o atendimento social pode se tornar um perigo. “Eu prefiro ficar na rua do que no albergue, porque lá tem muita coisa errada”. Ao ser questionada, a mulher diz que isso ocorre porque há um grande número de atendidos e a maioria é de homens. “São mais de 80 pessoas, eu tenho medo porque tem homens junto e eu já fui estuprada quando eu era pequena dentro de um abrigo”. A jovem ressalta que se sente mais segura ficando na rua, embora tenha que enfrentar as baixas temperaturas, às vezes sem um cobertor. “Inclusive semana passada eu estive muito doente, com pneumonia, parei no PS, saí de Samu daqui”, relata.

Antônio César, 30 anos, amigo de Beatriz, diz que, quando consegue, vai para a Casa de Passagem. “Com o frio, o cara passa trabalho na rua. Nos dias muito frios eu vou lá, quando tem vaga entra, quando não tem, não entra”. Nos dias em que não é possível pernoitar no local, o homem relata que é nas ruas mesmo que tenta encontrar proteções contra o frio, já que os cobertores quase sempre são furtados. “Aí eu pego uns plásticos nas coletoras se não tem coberta, rasgo alguma coisa que tem pela rua, deito e durmo”. No entanto, no auge do inverno dormir se torna uma necessidade quase impossível de atender a noite.

“Não dá, não tem como dormir, tem que esperar raiar o dia para dormir porque o frio não deixa”, relata. O homem está em situação de rua há dez anos e confessa que os problemas com drogas o levaram à condição de sem teto. Hoje ele vende balas de goma e realiza todos os serviços que surgem para custear pelo menos a sua alimentação.

O acolhimento

A Prefeitura de Pelotas dispõe de serviço de abordagem social com equipe do Centro Pop e de duas Organizações da Sociedade Civil (OSC) que têm contrato para prestar este serviço. A Secretaria de Assistência Social estaria também contratando mais uma equipe com cinco educadores sociais e uma assistente social para realizar abordagem em um novo formato, a ser lançado em breve.

Também via OSC, o Município oferta o restaurante popular, que fornece 200 refeições gratuitas e outras 200 refeições a R$ 4, cujo público prioritário é formado por pessoas em situação de rua. A estrutura da Secretaria inclui rouparia por meio da qual são entregues roupas e cobertores a pessoas em situação de rua e demais pessoas em vulnerabilidade social.

Com capacidade para cem acolhidos, na Casa de Passagem as pessoas em situação de rua podem pernoitar. Já o Centro Pop é o serviço da Assistência Social que oferece local para banho, lavagem de roupa e descanso durante o dia. Ambos locais estão em fase de transferência para o mesmo endereço, no prédio da esquina das ruas Senador Mendonça e Professor Araújo.

Sobre o relato de Beatriz acerca da possibilidade de importunação sexual nos locais de acolhimento, o secretário de Assistência Social, Tiago Bündchen, afirma que atualmente não há relatos de abuso sexual. Conforme o titular da pasta, o espaço conta com quartos grandes, que acomodam várias pessoas - são três masculinos e um feminino, este com banheiro adaptado, além de outro banheiro unissex, que é mais usado. “Quando uma usuária utiliza o banheiro unissex, ela conta com nossa equipe de educadores sociais, funcionários e agentes da Guarda Municipal, que atuam para evitar qualquer tipo de assédio ou encontro de gêneros no banheiro”, explica Bündchen.

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