Entrevista

Meteorologista projeta chegada gradual da água, mas reforça: moradores de áreas de risco devem deixar casas

Francine Sacco, da Climatempo, explica impacto da direção dos ventos no trajeto entre o Guaíba e a margem da Lagoa dos Patos em Pelotas; avanço das águas será mais lento do que o observado em outras cidades do RS

Foto: Jô Folha - DP - Redução do nível da Lagoa dos Patos durante a última madrugada se deu devido ao vento oeste; cenário vai se alterar nas próximas horas

Por Gustavo Pereira e Douglas Dutra

A água do Guaíba que se desloca à Lagoa dos Patos deve ter a velocidade acelerada nas próximas horas por conta da mudança da direção do vento. Entretanto, essa intensidade tende a ser inferior à observada em outras cidades do Estado. A chegada da água a Pelotas acontecerá de forma gradual, mas isso não invalida os alertas emitidos pelos órgãos oficiais durante a semana e, portanto, os moradores das áreas de risco devem deixar suas casas.

As projeções acima são um resumo da entrevista da meteorologista pelotense Francine Sacco, da Climatempo, ao Diário Popular nesta quinta-feira (9). Ela explicou o impacto da direção dos ventos: a redução do nível da Lagoa dos Patos durante a última madrugada se deu devido ao vento oeste, que afasta o mar da costa e favorece a saída da água da lagoa para o mar. Entretanto, projeta-se mudança da direção para sul e sudeste, quando o melhor cenário seria o vento nordeste ou norte.

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Francine ainda falou sobre a complexidade do evento vivido no Rio Grande do Sul. Segundo a especialista, as chuvas recentes no Uruguai e a previsão de grandes precipitações para o Centro, a Região Metropolitana e outras partes do Estado nas próximas horas também vão gerar consequências na Zona Sul.

Confira a entrevista completa abaixo após o gráfico, em que a barra vertical permite a comparação do nível da Lagoa dos Patos entre a manhã e a tarde desta quinta-feira.

O impacto dos ventos

"A complexidade desse escoamento de água pela região do Guaíba pela lagoa até chegar no mar tem vários fatores que influenciam, mas o mais direto é o vento e a maré. Com maré alta, o mar avança sobre a areia e com isso ele dificulta o escoamento da lagoa para o mar. Com maré baixa, o mar recua e facilita o escoamento".

"Durante a noite e a madrugada, a gente teve muito vento de sudoeste, e por alguns momentos o vento esteve oeste. Esse vento acaba afastando o mar da costa. Isso favorece a saída da água da lagoa para o mar".

"Tem muita água para escoar de dentro do Guaíba. A gente precisava que o vento virasse para a direção norte, principalmente nordeste".

"Ventos sul e oeste não favorecem muito o escoamento. O melhor vento é o de norte e nordeste, principalmente porque recua o mar. O mar se afasta da costa e dá espaço para a água da lagoa poder escoar. Mas o que a gente tem previsto para os próximos dias é que a gente vai permanecer com vento de sul, mais para sudeste, e ao longo da manhã vira mais para leste, que também não nos favorece porque empurra o mar para a costa. E depois o vento volta a oscilar entre leste e sudeste. Até o fim de semana, não tem previsão do vento virar para a direção norte e nordeste, que afastaria o mar".

O recuo da madrugada e a previsão

"Esse recuo de hoje de manhã é temporário. Vai voltar, vai subir, porque a água tem que sair do Guaíba, e só tem como sair passando pela Lagoa dos Patos e indo para o mar. Deve voltar a subir a lagoa e o São Gonçalo até que se consiga escoar toda essa água não só de Porto Alegre, mas também dos vales. Também choveu muito no Uruguai, próximo à Lagoa Mirim, então o São Gonçalo tem um volume de água muito grande passando pela Lagoa Mirim, tentando ir para o mar, e tem que passar pela desembocadura da Lagoa dos Patos".

"A gente tem, de Porto Alegre para Pelotas, um desnível. Porto Alegre está em uma altitude maior, então a água tem que escoar. Está começando a chegar na Lagoa dos Patos. Se a água ficar represada muito tempo na lagoa, vai acabar subindo, extrapolando as margens da lagoa e do São Gonçalo, invadindo assim a terra. Esse é o maior risco, por isso se faz todo esse movimento".

"É uma configuração bastante complexa da atmosfera que está acontecendo. A gente está com um bloqueio atmosférico bastante intenso. Não vai ser por agora que a gente vai desfazer essa configuração de bloqueio. A chuva não vai parar no final de semana. Não vai chover o tempo inteiro, mas a gente não consegue prometer um restante de maio sem chuva para que tudo se resolva em poucos dias. Vai ter elevação da água da lagoa, a enchente do Centro do Estado vai permanecer por uns bons dias até tudo voltar à normalidade".

A virada do vento

"Havia um receio dessa virada do vento. De que quando o vento virasse, a água viesse com velocidade maior. O vento está virando gradativamente e não de supetão. O vento não vai parar do nada. Ele vai mudando sua influência de forma gradativa para que a gente não tenha uma onda de cheia ainda maior. O pessoal tem que ficar realmente de olho nessa virada do vento. A água deve subir com uma velocidade maior do que nos últimos dias. Quem está na área de risco, que se retire. [...] Se subiu pouquinho nos últimos dias, agora deve subir um pouquinho mais rápido e se aproximar mais de extravasar os leitos".

"Até então, a gente tinha um vento nos auxiliando [em Pelotas]. Primeiro o nordeste, para que a água conseguisse escoar para a outra margem da lagoa, o flanco leste. E agora essa água vai retornar e deve se aproximar da margem oeste da lagoa, que pega toda a Costa Doce".

Como a previsão de muita chuva para outras regiões do Estado pode afetar a Zona Sul nas próximas semanas

"Vai aumentar o volume de água escoando. O Guaíba tem um limite de saída de água em direção à lagoa. A maior influência [da chuva prevista para o Centro do Estado e Porto Alegre] vai se dar pelo prolongamento do evento. A gente não vai ter só um Guaíba e seus afluentes saindo. Vamos ter dois volumes de água tendo que passar pela Lagoa dos Patos e sair para o mar. Vai ter um prolongamento desse evento. Vai ser no mínimo uma semana para tentar voltar à normalidade quando essa água subir".

"Se confirmando essa previsão de chuva de 150 a 300 milímetros [do Centro para cima do Estado], vai encher mais o Guaíba e seus afluentes. A água vai ter que sair pela Lagoa dos Patos e chega num ponto que se espalha tanto que não consegue ir tão longe. Tem alguns pontos mais elevados da cidade de Pelotas. A maior influência dessa segunda onda de chuvas [em outras cidades], para Pelotas, será o prolongamento desse evento nas áreas de risco de Pelotas".

Diferença para outras cidades do RS: intensidade será menor

"O que a gente não pode fazer é um contraponto com o que aconteceu nas outras cidades, onde a gente teve dique rompendo e que favoreceram a passagem mais rápida da água. O ritmo de subida da água aí para Pelotas vai ser mais lento do que a gente observou em outras cidades. A gente sempre repete: aproveitem que essa subida é gradativa. Não espere a água chegar na porta da sua casa para sair. Aí tudo fica mais difícil, se deslocar, se locomover. A gente não vai dormir sem água e acordar com a água em casa, porque tem todo o caminho da lagoa para passar a água. Mas vai ter que subir, a lagoa não vai dar vazão para tudo isso".

Empecilhos para ter parâmetros históricos

"Quando se fala em Defesa Civil, a gente tem que trabalhar com um cenário de moderado a alto. Nessa região sul, tem o agravamento de haver poucos equipamentos de medição. A gente não consegue acompanhar essa variação do nível da água em vários pontos, e por isso a gente também não tem um histórico de como as cheias se comportaram em Pelotas. Em setembro do ano passado, teve elevação da lagoa, áreas alagadas em Pelotas. O Laranjal foi atingido, a Z3, a Barra. Mas não há ao certo a medida de quanto essa água subiu. Se houvesse, poderia comparar com volumes ocorridos. A carência de dados medidos dificulta, e o pessoal acaba trabalhando com uma aproximação do evento passado".

"A chuva que caiu, e da forma como caiu, no evento que causou esse desastre, foi algo que, nos estudos que a gente faz de estatística, é fora da curva. Mas tem que levar em consideração que os estudos relacionados às mudanças climáticas apontam que esses eventos extremos vão acontecer com maior frequência e intensidade".

Mudanças climáticas

"Tenho alguns anos olhando para a atmosfera. E a atmosfera está atípica, fora do normal. O sistema, desde o final do ano passado, está se deslocando por áreas anormais. As frentes frias que se formavam no Uruguai e no RS estão se formando mais ao Sul e, quando chegam à SC, estão com outra característica. Isso nos mostra que está acontecendo uma mudança na circulação atmosfera que a gente não consegue dizer ainda se é temporária ou permanente".

"Todos os oceanos ao redor do globo estão mais aquecidos. E isso significa que a gente tem muito mais umidade, vapor d'água, disponível na atmosfera. Qualquer evento de chuva tem possibilidade de ser muito mais intenso do que seria se a gente estivesse dentro da normalidade. Está muito complicado. A previsão do tempo está ainda mais difícil de ser feita nos últimos tempos, porque os modelos não estão entendendo muito bem o que se passa na atmosfera".

Um alerta

"Inundação gradual dá tempo para as pessoas se retirarem. Além de proteger a sua vida, dá tempo de levantar ou retirar seus móveis".

Avaliação do trabalho da Prefeitura e da Defesa Civil em Pelotas

"É assim que a gente faz defesa civil. Até comentei com a minha família, que é de Pelotas. Falei que estou orgulhosa de ver minha cidade se mobilizando e agindo na prevenção".

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