Tradicional

Ofuscado pelas mídias digitais, CD mantém-se presente no mercado fonográfico

Faturamento das vendas físicas representa apenas 0,6% da indústria, mas alguns aficionados, lojistas e músicos formam a resistência

Foto: Jô Folha - DP - CDs ainda existem nos estabelecimentos

Por Heitor Araujo
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Houve quem dissesse que o CD acabaria, em meados da década de 2000, assim como houve quem dissesse, lá atrás, nas décadas de 1950, 1960 e 1970, que o rádio estava com os dias contados. As mídias que podem ser consideradas “ultrapassadas” para as novas gerações, no entanto, agarram-se inicialmente ao costume, depois à nostalgia e, finalmente, conquistam alguns novos consumidores, e assim permanecem presentes no dia a dia, ainda que em espaços reduzidos se comparado ao que já foram.

Está no YouTube (que já foi considerado um antagonista às mídias mais antigas) uma reportagem de 1997 de uma rede televisiva inglesa, em que o então anônimo e adolescente Pete Doherty, atual líder da banda de indie rock, The Libertines, está na fila de uma loja de discos à espera do lançamento oficial de Be Here Now, terceiro álbum de estúdio da banda Oasis, um dos maiores sucessos dos anos 1990.

A década de 90 foi o ápice dos CDs. Era comum, nestes anos, filas em frente às lojas nas datas de lançamentos importantes. No calçadão de Pelotas, João Antônio Coitinho Júnior, mais conhecido como Júnior, lembra de um episódio semelhante no dia 3 de março de 1996 – a última vez que testemunhou algo deste tipo em frente a sua loja, que completa 30 anos em 2024.
Foi o dia seguinte ao acidente aéreo que vitimou os integrantes dos Mamonas Assassinas. A banda, que estava entre as mais estouradas da época, esteve em ainda mais evidência na mídia. “O pessoal estava desesperado, nas lojas concorrentes não tinham os CDs e o pessoal veio aqui. Ficou gravado na memória.”

Júnior é uma referência em Pelotas, proprietário da Studio Home, conhecida como Studio CDs. “Fizemos uma rede muito grande de clientes nestes 30 anos”, aponta. A partir da década de 2000, diminuíram-se as vendas, o mercado enxugou e, por consequência, reduziu-se o espaço destinado aos CDs na loja. Pouco a pouco, novos produtos foram colocados à venda, e o que já esteve espalhado em dois andares, hoje ocupa apenas aproximadamente ¼ do espaço físico do local.

Optou-se, nos últimos anos, pela compra e venda de usados, assim como a volta forte do vinil, que não era vendido por Júnior ao longo das últimas décadas. Outra estratégia foi, há 10 anos, entrar no ramo das vendas online, por diferentes plataformas. Hoje, ele calcula que vende até 70 unidades, entre CDs e LPs, diariamente.

Se antes as lojas estavam repletas de lançamentos, há, agora, limitações para formar o “catálogo”. “Hoje os caras partiram muito para o Spotify, tem coisas que a gente não consegue mais, como música instrumental brasileira, por exemplo”, relata Júnior. “Saiu o novo do Caetano [Meu Coco, lançado em 2021] e não consegui em CD, só LP. Muitas gravadoras só vendem para o mercado de fora. A Marisa Monte que destinou uma fatia para vender por aqui, mas por respeito ao público”, acrescenta o lojista.

A compra dos novos é feita diretamente com as gravadoras, não mais com representantes comerciais. “A gente compra o que vão reeditando, porque as gravadoras estão limitadas. Bandas mais recentes, eles não lançam o CD físico aqui no Brasil. Hoje, eles relançam muita coisa de rock clássico, e é o que vende mais, bandas como Iron Maiden, AC/DC, Led Zeppelin, Pink Floyd, Queen, vem tudo zerado e lacrado e o pessoal não abandona. O rock é sempre o mais procurado, que mantém a loja, porque tem o público mais fiel.”

Relatório divulgado neste ano pela Pró-Música Brasil (PMB) indica que o setor fonográfico cresceu nos últimos sete anos no país. O faturamento total foi de R$ 2,9 bilhões em 2023, sendo 87,5% pelo streaming (Spotify, Deezer, Apple Music, dentre outros), com aproximadamente 22,5 milhões de pagantes, que resultou no faturamento por assinatura de
R$ 1,6 bilhão

No outro extremo estão as vendas físicas, que atingiram o maior patamar desde 2018, com um crescimento de 35,2% em relação ao ano anterior, mas que correspondem a apenas 0,6% do faturamento da indústria - R$ 16 milhões em 2023.
As vendas do LP ultrapassaram as de CD no ano passado pela primeira vez desde o fim da década de 1980, quando o CD se estabeleceu como a mídia dominante da indústria. O vinil rendeu faturamento de R$ 11 milhões, ou seja, 69% do total das vendas físicas – em 2022, o CD tinha sido preferido, com 57%.

O arquiteto aposentado Ricardo Lúcio de Olveira, 69 anos, mantém uma coleção de 4,7 mil CDs em seu apartamento em Pelotas. Tem a preferência pela MPB, mas dispõe parte do tempo para escutar também rock, blue, jazz…

O que o mantém ligado à mídia física passa, principalmente, pela qualidade do som. “A entrada das mídias digitais tornou mais fácil para a indústria da música faturar. Para quem escuta, por outro lado, a qualidade das músicas nas plataformas é horrorosa, e tem-se menos conhecimento, às vezes tu não sabes nem quem é o compositor, e tu vais conhecer só aquela música dele”, opina o arquiteto. “[O streaming] Acostuma a pessoa a ouvir a coisa ruim e a música vira descartável. Em um aparelho de som, é outra coisa”, conclui Ricardo.

Em meio às revoluções comerciais do setor, artistas locais buscam, em um cenário de mais perguntas do que respostas, um lugar ao sol. Ultimamente, poucos optam pelos lançamentos físicos e há a percepção de que as coisas andam “devagar e desfavoráveis”, segundo o produtor e músico pelotense, Júnior Vieira.

“O CD a galera não pensa mais em fazer pelo custo e [pelo fato] de não vender, vê-se como algo mais formal. O LP tem esse resgate que é o sonho de todo o artista, mas o custo também pesa”, afirma

A banda de Júnior, The Woods, no entanto, foi na contramão e optou pelo lançamento do CD na reta final dá década de 2020. “Em 2015, quando fomos aprovados em edital, ainda se falava bastante em CD, e a gente queria ter o material físico como cartão de visitas. A banda prezava pelo álbum, essa coisa [de elaborar] do início ao fim, de ter conceito visual e ter uma lojinha virtual, que a gente fez muitos produtos.”

Apesar de ser um processo caro a montagem e manutenção de um estúdio, existem os que permanecem de pé em Pelotas. “Antigamente haviam barreiras aos estúdios, que ficavam restritos às gravadoras. Hoje, tem como gravar de várias maneiras e com vários custos”, pondera o produtor musical. “Qualquer trabalho sério, que envolve profissionais, acaba se tornando caro ao músico, porque muitas vezes não se tem o retorno financeiro. Os editais que acabam salvando o pessoal para ter esse trabalho mais sólido.”​

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