Memória

Pelotas, 1941: entenda como foi a última grande enchente na cidade

Entre o final de abril e o início de maio, há 83 anos, Pelotas passou por um fenômeno climático que levou a água do São Gonçalo para diferentes ruas da cidade e o DP acompanhou tudo

Arquivo - DP - DP noticiou todos os desdobramentos em 1941

Chuvas torrenciais, elevação de rios, cheias e destruição em muitas cidades como estão acontecendo atualmente, não são desconhecidos da região de Pelotas. Coincidentemente entre os meses de abril e maio de 1941, o Município viveu um momento desses e que, assim como na capital Porto Alegre, foi considerado histórico. Por cerca de 20 dias de chuvas os rios, a lagoa dos Patos se elevaram. No fluxo natural, o canal São Gonçalo deixou parte da cidade de Pelotas alagada. Na época, ainda não existia a praia do Laranjal. A área era privada. O Diário Popular, como hoje, acompanhou os desdobramentos e o acervo mantém-se aberto ao acesso da comunidade na Bibliotheca Pública Pelotense.

DP noticiou todos os desdobramentos em 1941Arquivo - DP


Conhecida até então como a maior flagelo climático vivido pelo Município, a enchente ocorrida há 83 anos em muito se parece com os eventos que estão acontecendo no Estado. Na época, o rio Guaíba atingiu a marca de 4,76 metros, no cais Mauá, e inundou Porto Alegre, o que estimulou a criação do muro da Mauá. Agora, esse nível foi atualizado para mais de 5 metros, instaurando o caos na capital.

Como agora, as águas do Guaíba foram chegando aos poucos na Zona Sul do Estado, associadas aos dias de chuva que não davam trégua. A comunidade pelotense de 1941 foi surpreendida com o volume de água que mudou as ruas e o cotidiano da cidade e se demorou por semanas.

Acervo - Guilherme Pinto de Almeida


As águas do São Gonçalo inundaram a várzea da cidade e invadiram parte considerável da cidade, avançando sobre a rua Benjamim, indo além para avenida Ferreira Vianna e alcançando ruas como a Almirante Barroso e Sete de Setembro. Muitos terrenos ficaram debaixo da água, que atingiu a marca de quase três metros além da cota normal do canal. Naquele ano, a cidade ainda não possuía dique de contenção junto ao canal.

A cheia isolou a Alfândega e o porto. Segundo relatos do Jornal na época, na rua Tiradentes, desde o pontilhão sobre o canal do Pepino, até a Dona Mariana era possível cruzar com barco. A falta de meios de locomoção propiciou que fosse estabelecido o transporte de passageiros em pequenas embarcações mediante qualquer pagamento, isto porque pessoas que moravam em construções mais altas não se afastaram das suas casas.

Além do São Gonçalo, os arroios Santa Bárbara, Pelotas, Pepino, Fragata, Moreira e a Sanga Funda transbordaram, separando a cidade e sua zona rural, de acordo com o arquiteto e pesquisador Guilherme Pinto de Almeida. "As águas foram subindo exatamente neste período de agora, entre o dia 2 e o dia 8 de maio. É muita coincidência. Claro que era uma situação diferente e em razão dessa enchente se constrói o dique, que passa pela Estrada do Engenho, na década de 1950", comenta.

Na década de 1940 o município tinha 104,5 mil habitantes, de acordo com o professor doutor Sidney Gonçalves Vieira, titular do Departamento de Geografia do Instituto de Ciências Humanas e autor do livro A cidade fragmentada. Destes, mais de mil pessoas foram desalojadas de suas casas.

Almeida lembra que por uma foto que traz uma vista aérea da cidade, pode-se ver a extensão da enchente, que chegou até a Ferreira Viana. Bem naquela época tinham sido construídos os armazéns do Porto, após uma reforma. "Aqueles três armazéns grandes que a gente conhece foram feitos e inaugurados em 1940. Aquele cais novo segurou um pouco, mas mesmo assim a cota máxima que se aponta que aconteceu foi de 2,8 metros acima do nível do São Gonçalo."

Em registros fotográficos da época fica claro que havia uma lâmina de água cobrindo essa localidade, incluindo a calçada da Alfândega, junto a praça Domingos Rodrigues. Segundo Almeida, a rua 15 foi poupada. "A 15 é o que a gente chama em urbanismo de divisor de águas, ela é o ponto mais alto do meio do centro histórico."

Acervo - Aline Montagna - Almanaque Bicentenário de Pelotas


Planície
Outra área muito atingida foi o Pontal da Barra, mesma localidade que atualmente sofre com a enchente. "A gente ocupa uma parte que é o amortecimento do canal São Gonçalo, então estamos sempre sujeitos a isso, ainda mais agora em condições extremas", diz.

O livro do professor Sidney Gonçalves Vieira aborda essa temática e explica o porquê dessa reincidência. "Eu estava preocupado com a ocupação das áreas de proteção ambiental. Os governos vão fazendo concessões, planejamento de um modo geral, mudando áreas que eram de proteção ambiental, permitindo ocupações, isso há mais de 20 anos", fala Vieira explicando a temática do seu livro.

Na obra ele analisa a evolução urbana da cidade desde a fundação e como a ocupação foi avançando sobre áreas inundáveis, chegando a conclusão que os problemas ambientais eram certos. "A ideia das planícies de inundação é para quando os quando os rios saem da calha, elas fazem um efeito de esponja, elas vão sugando a água. Quando as planícies estão ocupadas com a área urbana esse efeito se perde. Por isso essa recorrência, mesmo com obras de canais e diques feitos na cidade, essas áreas permanecem baixas", comenta.

Outros pontos da história
Abrigo à população

Os flagelados pelas cheias foram, segundo uma reportagem publicada pelo jornal Diário Popular de maio de 1941, conduzidos para casas de familiares e amigos, garagens, prédios desativados, armazéns, além de albergues emergenciais estabelecidos pelo município, na rua Félix da Cunha, 706, praça Domingos Rodrigues, 61, Escola Laquintinie e Albergue Noturno. Na época as empresas Fetter e Cia e Irmãos Noronha abriram seus depósitos para também abrigar os flagelados.

Abuso de preços
Desabastecimento foi outro problema enfrentado pelos moradores. Na edição do dia 6 de maio, o Diário Popular apontava a falta de leite. Para evitar os abusos nos preços, que começaram a aparecer, uma comissão de tabelamento instituiu que fossem praticados os preços máximos que vigoravam na primeira quinzena de abril.

Prejuízo no ambiente rural
A enchente ainda atingiu as lavouras de arroz e a pecuária, ocasionando um grande prejuízo para o setor rural. Somente a criação de ovelhas sofreu uma perda de 50%.

Outra cidade
Além de Pelotas, Rio Grande também foi atingida pela cheia e um dos assuntos que repercutido pela imprensa foi a interrupção da estação férrea, entre o Capão Seco e o Povo Novo, causada pela elevação das águas.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Lagoa dos Patos e Canal São Gonçalo têm aumento ao longo do dia Anterior

Lagoa dos Patos e Canal São Gonçalo têm aumento ao longo do dia

Edição desta quinta-feira, 9 de maio de 2024 Próximo

Edição desta quinta-feira, 9 de maio de 2024

Deixe seu comentário