Diversos pensadores e teóricos da comunicação contemporânea vêm falando sobre o desafio da adaptação do jornalismo à era da internet. Nada mais justo. Em tempos onde cidadãos comuns assumiram o papel de criadores de conteúdo e a web tornou-se o centro do consumo de notícias, os jornalistas estão reinventando o ofício de informar - e também se reinventando ao longo do caminho.
Acontece que, olhando em retrospectiva, você pode perceber que o jornalismo e a tecnologia são parceiros de longa data.
Mais ainda: pode-se dizer que, sem a tecnologia, talvez nem existisse o jornalismo.
Pense nisso: antes dos tipos móveis de Gutenberg, as notícias eram divulgadas de forma oral, quando uma pessoa lia os comunicados da época em voz alta para o público presente em uma praça pública.
Gutenberg veio e possibilitou a impressão dos conteúdos no papel, de forma mecânica, aumentando exponencialmente o alcance do que antes só poderia ser escrito à mão.
Depois veio a invenção da prensa, que exerceu um papel decisivo na expansão do alcance dos periódicos.
Dando saltos maiores no tempo, vieram o rádio, a TV e, por último, a internet. E o jornalismo teve que se adaptar a cada um desses acontecimentos. Ou seja, cada nova tecnologia trouxe junto a adaptação e a expansão do alcance da produção de notícias.
Acontece que a internet representa a maior revolução encarada pelo jornalismo durante toda a sua história. Essa sacudida nas estruturas fez com que os saudosistas se sentissem órfãos dos “tempos de ouro” (o que quer que isso signifique). Mas, como sabiamente observou a pesquisadora da objETHOS, Mariana Nava:
“A verdade é que o mundo mudou e, o quanto antes aceitarmos essa nova realidade, melhor podemos nos adaptar e fazer de agora um novo “período de ouro” dos jornais.”
Para que isso aconteça, Nava salienta que “as lógicas produtivas do jornalismo precisam se adequar à realidade digital”.
Não há como fugir disso. A presença da tecnologia acarretou uma expansão gigantesca do alcance das notícias. Mariana Nava aponta alguns resultados dessa transformação:
a produção, a edição e o consumo de informação em tempo real;
o armazenamento quase ilimitado dessas informações;
a quantidade aparentemente infinita de conteúdo;
as mudanças na forma de produção, acarretadas pela quantidade de conteúdos gerados, as quais seguem impactando de forma permanente a vida das pessoas.
Vamos pegar o exemplo da mídia impressa como ponto de partida para a nossa reflexão. Há tempos atrás, o leitor do jornal “de papel” poderia consumir uma notícia lendo o texto e, às vezes, sendo também impactado por imagens ilustrativas do conteúdo.
A partir do momento em que as notícias ganharam o ambiente virtual como nova casa, as mídias de áudio e vídeo entraram em cena. Daí em diante, a experiência do usuário atingiu um patamar completamente diferente.
O formato áudio, por exemplo, é extremamente democrático, pois não exige o olhar fixo a uma tela. Com o áudio, você pode consumir conteúdos lavando a louça, se deslocando de carro ou nos transportes públicos, dando aquela corridinha para manter a forma… Enfim, não é à toa que os podcasts crescem em popularidade ao redor do mundo.
Já os vídeos são, por natureza, a mídia mais engajadora de todas. O conteúdo audiovisual - seja ele super produzido ou totalmente artesanal, feito por “pessoas comuns” - tem a capacidade de convidar a audiência a ser testemunha do acontecimento.
Quem assiste a um vídeo não precisa criar imagens mentais a partir do que foi escrito por um redator. O acontecimento está lá, vivo, em movimento, reduzindo em muito a margem de interpretação ocasionada por conteúdos textuais.
Em sua grande maioria, o público aderiu a estes formatos de maneira irreversível. Atualmente, as empresas jornalísticas não podem simplesmente ignorá-los nas pautas de produção, sob o risco de ter as suas plateias completamente esvaziadas.
A questão acima é trazida por Mariana Nava, em vista do contraste entre a enxurrada de conteúdos disponíveis e o fato de as pessoas ainda terem as mesmas 24 horas diárias para encaixarem todas as suas atividades:
“O tempo virou recurso ainda mais precioso à medida que a tecnologia avança. Apesar de maior alcance dos sentidos, a capacidade cognitiva e biológica não se altera. E é por isso que precisamos de ferramentas aprimoradas de seleção nesse cenário de abundância de estímulos.”
Então, Nava aponta o gatekeeping, que é um conceito jornalístico para edição. O gatekeeper é uma espécie de "porteiro" da redação, segundo a Wikipedia. É ele que define o que será noticiado, de acordo com a linha editorial do jornal.
👉 Já falamos aqui sobre a ideia do jornalista educador.
Mariana Nava salienta que essa curadoria dos conteúdos, onde uma quantidade absurda de informações precisa ser processada, só é possível por intermédio da tecnologia.
Aqui, um ciclo se completa: é a tecnologia que ocasiona o tsunami de notícias, ao mesmo tempo em que gera a capacidade de processá-las, para assim escolher o que apresentar para as audiências.
Segundo Mariana Nava, o jornalismo sempre esteve atrelado ao desenvolvimento tecnológico. Por isso não faz nenhum sentido lutar contra as transformações - até porque as mudanças são constantes e inerentes à evolução das tecnologias.
O advento do jornal impresso refletia a tecnologia da sua época, assim como o radiojornalismo e o telejornalismo. Todos os três ainda estão vivos, mas o tamanho dos seus públicos não é mais o mesmo, em virtude da expansão do jornalismo online.
Hoje, atender exclusivamente aos leitores saudosistas do jornal de papel significa se transformar em um negócio de nicho, cada vez menos sustentável. Para que o impresso siga viável, uma empresa jornalística precisa fortalecer sua presença no ambiente virtual, extraindo de lá o seu maior volume de receita.
É um processo de retroalimentação: quanto maior o público - seja ele de assinantes ou de leitores de conteúdos gratuitos -, maior é a expressividade de um jornal e, consequentemente, maior é o seu poder de atração de novos anunciantes e parceiros comerciais.
A saúde financeira de uma empresa jornalística, atualmente, está no digital. E não podemos esquecer o fato de que somos um negócio.
Nesses 130 anos de portas abertas, provamos para os nossos leitores que é possível, sim, mantermos um negócio sustentável sem desrespeitar o compromisso com a integridade daquilo que noticiamos.
Enfim, estamos em paz com as novas tecnologias. Enquanto tem gente brigando com elas, nós as enxergamos como aliadas. 🦾